De acordo com Piau, ao longo dos últimos meses, diferentes segmentos de vários elos da economia brasileira manifestaram preocupação com a pouca representatividade da pesquisa e da inovação no Congresso Nacional. “Para nós ficou claro que não existe nenhum outro movimento parlamentar para apoiar essas demandas”, afirma.
Entre outros pontos, ele também fala sobre o convite que foi feito recentemente à ABIPTIpara atuar como secretaria executiva do grupo. O parlamentar destaca que a frente é um movimento de 219 deputados e senadores e precisa de uma secretaria executiva dinâmica e atuante, com forte mobilidade operacional, dotada de profissionais competentes e com forte interação com a cadeia brasileira da pesquisa e inovação. Veja, a seguir, a entrevista na íntegra:
O senhor preside a Frente Parlamentar da Pesquisa e Inovação, que foi instalada no ano passado. Quais são as prioridades da instância?
Uma Frente Parlamentar é uma associação suprapartidária de pelo menos um terço de membros do Poder Legislativo Federal, destinada a promover o aprimoramento da legislação federal sobre determinado setor da sociedade.
A Frente Parlamentar da Pesquisa e Inovação é um movimento político suprapartidário, com parlamentares de praticamente todos os Estados brasileiros, que visa promover e intervir no desenvolvimento de políticas públicas, no aprimoramento da legislação nacional e no fortalecimento da pesquisa e da inovação. Procura remover obstáculos que limitam o desenvolvimento científico e tecnológico do país e aumentar a alocação de recursos orçamentários e financeiros ao desenvolvimento científico e tecnológico.
As prioridades para o período 2008/2010 fazem parte do Plano de Trabalho e foram organizadas para: a) organizar a agenda legislativa da pesquisa e da inovação; b) promover e intervir no desenvolvimento de políticas públicas, visando o fortalecimento da pesquisa e maior desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil; c) manter um canal permanente de comunicação com as organizações que formam a Cadeia Brasileira de Pesquisa e Inovação visando remover obstáculos que impedem a maior eficácia da pesquisa e da inovação tecnológica na economia brasileira; d) fortalecer e consolidar a presença e o posicionamento das entidades que integram a Cadeia Brasileira de Pesquisa e Inovação no Congresso Nacional, visando ao aprimoramento da legislação referente à P,D&I; e) promover a alocação de recursos orçamentários e financeiros para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Enfim, a nossa intenção é buscar no desenvolvimento científico e tecnológico uma base de suporte para o desenvolvimento do país fazendo aqui na Câmara dos Deputados toda ação necessária para o fortalecimento do setor.
Em entrevista ao Gestão C&T online, o secretário executivo da Frente, Dante Scolari, nos explicou o motivo da mudança no nome da instância, que foi inicialmente chamada de Frente Parlamentar Mista de Apoio à Pesquisa Agropecuária e Transferência de Tecnologia. Como o senhor avalia essa mudança e o que de fato ela representa em ações?
O pensamento inicial era fazer uma frente realmente mais voltada para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, pois havia uma forte demanda das organizações de pesquisa agropecuária de todo o país nesse sentido. Essas ICT’s do agronegócio possibilitaram ao país um grande domínio tecnológico em termos de agricultura tropical, principalmente com base em conhecimentos oriundos da chamada “revolução verde” que preconizava o uso de insumos modernos como fertilizantes, produtos fitossanitários e sementes melhoradas geneticamente, além de irrigação, melhoria na capacidade de gestão, infra-estrutura de apoio a produção, políticas setoriais especificas, entre outros.
Com o avanço do conhecimento, principalmente nas chamadas áreas portadoras de futuro (biotecnologia, nanotecnologia, agricultura de precisão e agroenergia) essas instituições estão seriamente preocupadas, pois o país pode perder essa condição de liderança competitiva na produção agrícola tropical no mundo. A biotecnologia orientada para a agricultura avança a passos de gigante em vários países que são nossos competidores no mercado mundial e vários produtos agrícolas já incorporam inovações biotecnológicas, inovações essas protegidas sob a legislação de patentes.
Essas ICT’s sabem perfeitamente que a produção de alimentos no futuro próximo estará altamente dependente desses novos conhecimentos e que qualquer limitação na geração dessas novas biotecnologias poderá causar uma forte dependência tecnológica da agricultura brasileira. Desse modo, quando do seu lançamento, a Frente sinalizou para todos os atores de pesquisa, desenvolvimento e inovação orientados para o agronegócio esse compromisso de trabalhar para possibilitar um avanço acelerado na legislação que trata dessa matéria no Congresso Nacional.
Questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável e tecnologias sociais, envolvendo os problemas relacionados com a disponibilidade de água potável, fontes mais baratas e limpas de energia, além da saúde, medicamentos e alimentos, bem como tecnologia nuclear, células solares e combustíveis alternativos, etc., estão presentes na pauta brasileira de P,D&I. Na área médica, por exemplo, existe uma grande discussão sobre o uso de células troncos para pesquisas terapêuticas voltadas ao ser humano – a indecisão do Estado brasileiro acaba atrasando esse tipo de pesquisa no país e pode significar maior dependência no futuro. Essa discussão está presente no Congresso Nacional.
Ao longo dos últimos meses, diferentes segmentos de vários elos da economia brasileira manifestaram preocupações semelhantes, inclusive com a pouca representatividade da pesquisa e da inovação no Congresso Nacional. Para nós ficou claro que não existe nenhum outro movimento parlamentar para apoiar essas demandas. Desse modo entendemos que a Frente deve trabalhar orientada para atender a demanda de todos os segmentos da pesquisa e da inovação no país. Além da agropecuária, informática, comunicação, construção civil, papel e celulose, aviação, segmento automotivo, área médica, cosméticos, transportes, automação bancária, energia, etc. passaram a fazer parte do escopo de trabalho da Frente.
Essa mudança significa que o nosso compromisso parlamentar com o sistema brasileiro de pesquisa e inovação tecnológica assumiu uma importância muito maior. Apesar de haver uma grande concentração de cientistas nas instituições científicas e tecnológicas públicas (quase 80% dos cientistas e engenheiros) já existe um forte movimento de inovação tecnológica em um grande número de empresas privadas. Esse processo intenso pode ser verificado quando se observa o crescente volume de recursos remetidos ao exterior por conta das importações de tecnologias em vários setores da economia.
Esse processo de importação de tecnologias é muito importante para a sociedade brasileira e deve ser fortalecido. A crescente internacionalização da nossa economia significa a modernização das nossas estruturas produtivas, a melhoria contínua de métodos e produtos, a redução de custos e o aumento da competividade, gerando mais emprego e mais renda para o país. Mas entendemos que uma parcela importante desse conhecimento tecnológico pode ser gerada no país, principalmente por meio de parcerias entre agentes públicos e atores privados.
O Poder Executivo tem feito um grande esforço nesse sentido, com uma forte atuação em termos de políticas específicas de vários ministérios, com destaque para o MCT, MDIC e Mapa que procuram estimular e fomentar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação tecnológica. Cabe ao Congresso Nacional um papel relevante nesse processo – criar uma legislação que seja de fato um instrumento de estímulo e fomento ao desenvolvimento tecnológico da economia brasileira. E a Frente Parlamentar da Pesquisa e Inovação pretende ser o elo da sociedade brasileira junto ao Congresso.
Quais contribuições o senhor acredita que a ABIPTI poderá dar à secretaria executiva da frente?
A frente é um movimento de 219 deputados e senadores e precisa realmente de uma secretaria executiva dinâmica e atuante, com forte mobilidade operacional, dotada de profissionais competentes e com forte interação com a cadeia brasileira de pesquisa e inovação. Nesse processo analisamos várias alternativas operacionais, como fundações, empresa de propósito específico, empresa privada de prestação de serviços, associações de classe da área de pesquisa e inovação, sociedades científicas etc.
Chegamos a conclusão que o ideal era uma organização que tivesse credibilidade pública, conhecimento desse mercado de pesquisa e inovação, forte interação com atores públicos e entes privados, experiência no trato da coisa pública e que tivesse como desafio aceitar esse compromisso. Nesse contexto, o nome da ABIPTI surgiu como a organização que preenchia todos esses requisitos, portanto não há necessidade de se criar algo novo. Então a ABIPTI pode operar como uma secretaria da frente, inclusive arrecadando recursos para o desenvolvimento dos trabalhos e, portanto, pode fazer toda essa operação de secretaria. A escolha da ABIPTI para mim é uma escolha feliz porque é um órgão tradicional, de conceito e que poderá conduzir este aspecto da secretaria muito bem. Esperamos que a ABIPTI aceite esse desafio de ser a figura operacional da nossa frente.
O Congresso Nacional conta atualmente com diversas frentes parlamentares. No entanto, apenas um número restrito de frentes tem se mostrado atuante. Como o senhor avalia o papel desempenhado por essas instâncias?
Realmente são várias frentes parlamentares e poucas têm uma atividade mais freqüente ao longo do exercício do ano legislativo. Julgo que criar é fácil, fazer funcionar é difícil. O Congresso Nacional não dispõe de recursos específicos no seu orçamento para bancar o trabalho dessas associações. Além disso, muitas vezes as frentes são criadas para defender ações legislativas específicas em determinados momentos da vida nacional. Cumprido esse objetivo, o trabalho dos parlamentares acaba sendo orientado para o atendimento de outras demandas específicas.
Como sabemos, o Brasil é um país que não prima pela simplificação das leis, muito pelo contrário, a legislação brasileira de um modo geral é complexa e confusa e isso dificulta o trabalho parlamentar nas frentes. Mas algumas tem tido uma atuação política expressiva. As frentes, por exemplo, do meio ambiente e da agropecuária, da qual também sou membro, são frentes com atividades parlamentares intensas. Nesses dois casos, existe uma forte participação de segmentos expressivos da sociedade por meio de pessoas e de organizações. Essa participação constante, pressão e demanda permanente de pessoas e de instituições são o oxigênio e a vida destas frentes parlamentares e é isso que queremos: participação forte e atuação de todos os atores da cadeia brasileira de pesquisa e inovação.
Existem muitas instituições públicas, universidades, empresas estaduais de pesquisa, além de empresas da iniciativa privada que dependem do parlamento para ajustar a legislação e ter os incentivos tecnológicos. Acredito que com uma secretaria bem estruturada, com a frente bem coordenada e conduzida, com parlamentares envolvidos no desenvolvimento do setor de ciência e tecnologia, podemos colocar esta frente tão ativa quanto as mais ativas aqui da Câmara Federal.
O senhor é relator da Subcomissão de Ciência e Tecnologia da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Qual é o principal objetivo dessa subcomissão?
A CCTCI regimentalmente atua para o aperfeiçoamento do arcabouço legal e no acompanhamento e fiscalização das ações do Poder Executivo. Especificamente atua no desenvolvimento científico e tecnológico, na política nacional de ciência e tecnologia e organização institucional do setor e em acordos de cooperação com outros países e organismos internacionais. Pode-se notar que são objetivos abrangentes e difíceis de serem alcançados.
Na área de C&T foi criada essa subcomissão específica, onde sou o relator e o deputado Rodrigo Rollemberg (PSB/DF) ocupa a presidência nessa legislatura, que regimentalmente atua para aperfeiçoar os marcos legais, acompanhar e fiscalizar as ações do Poder Executivo, acompanhar a execução orçamentária dos fundos setoriais, garantir a aplicação integral dos recursos orçamentários previstos nas rubricas de ciência e tecnologia (emendas à LDO) e propor emendas ao orçamento destinando recursos ao setor.
Nós não podemos fazer tudo, cobrir tudo, então elegemos depois de vários debates na própria comissão, juntamente com o deputado Rodrigo Rollemberg os caminhos a seguir. Nessa legislatura os objetivos gerais dessa Subcomissão são fazer o acompanhamento da política nacional de ciência e tecnologia, principalmente no que diz respeito à execução orçamentária e financeira dos fundos setoriais e dos programas de apoio ao desenvolvimento tecnológico de empresas e instituições científicas e tecnológicas.
Especificamente, estamos fazendo o seguinte. Nos fundos setoriais, o acompanhamento do desempenho orçamentário e financeiro do fundo voltado à interação universidade-empresa, o chamado Fundo Verde-Amarelo e do CT-Infra. A informação disponível é que a execução desses fundos está muito abaixo do que seria esperado e que há demora na liberação dos recursos aprovados pelo Congresso Nacional. A nossa tarefa é acompanhar e fiscalizar essas execuções orçamentárias e financeiras. Também estamos acompanhando o desempenho orçamentário e financeiro dos programas de apoio ao desenvolvimento tecnológico de empresas baseados em subvenção econômica (financiamentos não-reembolsáveis) e incentivos fiscais. Queremos saber por que a iniciativa privada não está utilizando plenamente os recursos disponíveis. Se a pouca utilização for devida a entraves na legislação, queremos ajudar a resolver.
Além disso, queremos saber o que está acontecendo com o desempenho orçamentário e financeiro do Programa Nacional de Apoio às Incubadoras de Empresas e Parques Tecnológicos. Entendemos que o desenvolvimento e a ampliação dos parques tecnológicos deve ser uma grande prioridade para o Brasil, a semelhança do que já acontece em outros países. Então, essa subcomissão acompanha de perto o trabalho que a Finep e o MCT estão realizando nessas áreas. Basicamente, essas são as prioridades da subcomissão para o ano de 2008.
O senhor é pesquisador da Epamig. Qual é a sua avaliação em relação à atuação da empresa e das Oepas de maneira geral?
As OEPAs são organizações estaduais relevantes para o fortalecimento tecnológico do setor agropecuário nos 16 Estados brasileiros onde atuam. Executam um importante papel, na geração de inovações, na difusão de novas tecnologias de produção juntamente com os sistemas estaduais de assistência técnica e extensão rural e também na agregação de valor à produção agropecuária. Em um grande número de Estados, são importante fonte de inovações principalmente para os pequenos e médios produtores. As Oepas têm prestado um trabalho relevante com relação ao desenvolvimento do conhecimento. Os governos estaduais, com os escassos recursos de que dispõem, e dentro das limitações dos seus orçamentos, procuram apoiar financeiramente da melhor maneira essas organizações.
Mas estamos vivendo uma época onde o avanço do conhecimento é muito rápido e onde a tendência é que novos conhecimentos possam surgir a intervalos de tempo cada vez menores. As novas ferramentas a disposição dos pesquisadores, principalmente a utilização da informática, biotecnologia e nanotecnologia são catalisadores poderosos na geração de novos conhecimentos e inovações. Sem um forte apoio do governo federal e de parcerias estaduais proativas, permanentes e duradouras com agentes públicos e privados, dentro e fora do agronegócio, principalmente com as universidades, essas organizações terão dificuldades em continuar desempenhando esse importante papel social e econômico para o país.
O papel delas é fundamental na geração de soluções tecnológicas diferenciadas em regiões específicas e para diferentes cadeias produtivas regionais, onde os órgãos federais de P&D, como a Embrapa, não conseguem atuar. Portanto o governo federal pode e deve participar com recursos para fortalecer estas entidades que muitas vezes precisam de recursos adicionais para modernizar laboratórios, capacitar recursos humanos e financiar despesas de custeio nos projetos de P&D. Em muitos casos, com pouco dinheiro se consegue fazer muita coisa. A Frente está atenta a esses problemas e vamos trabalhar para fortalecer também os sistemas estaduais de P,D&I.
(Bianca Torreão para o Gestão C&T online)